Archive for novembro 2016
Ohana Dreams (Capítulo 9)
O
sol brilhava forte e a região tropical na Ilha Melemele convidava seus habitantes
a aproveitarem o melhor daquele dia. Dylan gostava do mar, era como seu segundo
lar, adorava surfar e mergulhar, mas a simples ideia de uma viagem por trilhas
na floresta e rotas inexploradas foram o suficiente para incentivá-lo a experimentar
algo novo.
Na última noite Hal viu um estranho feixe
luminoso no céu e pensou tratar-se de uma estrela cadente, mas o misterioso objeto
atravessou a estratosfera com velocidade e caiu precisamente em algum lugar
daquela selva. Se não descobrisse o que era, tinha receio de não dormir até as
aulas voltarem.
Mili
não se interessou nem um pouco com a ideia. Seu irmãozinho correndo perigo na
zona tropical cheia de Pokémons selvagens! Só concordaria se Hal estivesse
acompanhado de alguém forte e corajoso o suficiente para enfrentar todos os
perigos — tanto que Dylan foi o
escolhido, por ironia do destino ou não. Mili permaneceria na mansão junto do Barão
e da Baronesa, a Sra. Renée praticamente a adotara como uma segunda filha e pareceu
empolgada para mostrar-lhe fotos e lembranças antigas de sua família. Ika e Uko
saíram logo depois do café da manhã na companhia do Sr. Maximiliano que
ofereceu uma indicação para que os dois encontrassem algum emprego na vila.
Enquanto
isso, Hal e Dylan davam início ao seu empolgante programa em família.
— E agora estamos aqui, cunhadinho. Vamos atrás de um
tesouro desconhecido vindo do espaço sideral! — falou Dylan enquanto fazia seu
caminho entre as rochas, apoiando-se em um pedaço de madeira na tentativa de
esconder seu cansaço.
— Eu já falei que não precisava vir — respondeu Hal mais
a frente, sem se dar ao trabalho de olhar para trás. — Eu trouxe o Dia comigo,
estaremos seguros.
— Tá brincando? E perder a oportunidade de explorar essa
mata densa? Quando eu morava em Hoenn entrei sozinho na Granite Cave e consegui sair de lá inteiro sem ser devorado pelos
Zubats. Sem nenhum Pokémon com a habilidade Flash!
Meu segundo nome é Aventura, cara, e juntos nós formamos... A Aliança
Aventuras!
Dylan riu de sua própria piada, parando para apoiar-se
em seus joelhos no meio do caminho. Em seguida retirou um Max Repel da mochila e começou a passar por todo o corpo para se
livrar dos mosquitos que o incomodavam. Dava para sentir o cheiro na floresta
inteira.
— Na verdade fiquei sabendo que meu amigo Iz estava
meditando e estudando plantas por essas bandas, então pensei em vir dar um
“oi”.
— Imaginei. Você não tem cara de quem gosta desse tipo
de aventura. Entrar no meio da mata, estar em contato frequente com a natureza —
brincou Hal.
— Não curto nem pisar na grama sem chinelo, cara. Mas já
que estamos aqui, vamos procurar logo essa estrela cadente e voltar para a sua
irmã. Mal posso esperar para tomar um banho de mar e me livrar desses
mosquitos.
A escalada era íngreme, cheia de pedras escorregadias e
vegetação alta. Dylan podia não gostar muito da sensação de estar sufocado pela
selva densa, mas não podia negar que a visão de dentro dela era deslumbrante.
Via Pokémons que nunca sequer imaginara que existiam, flores e frutos nativos
de Alola. O ar era mais puro do que em qualquer outro lugar que já pisou, era
como um santuário mantido pela própria natureza.
Assim que alcançaram o cume da montanha, Hal chamou-o
para que viesse mais depressa.
— Dê só uma olhada nessa vista.
Dylan respirou fundo e subiu. Lá de cima pôde enxergar
toda a Ilha Melemele e suas ilhas vizinhas como pontinhos pequenos no oceano. O
Vilarejo Iki não passava de um pequeno aglomerado de caixinhas na costa, a
imensidão azul se estendia pelo horizonte, separando céu e mar em mantos
azulados. Por um instante teve a impressão de que avistara um Wailord saltar do
oceano, mas ele mais parecia um pontinho minúsculo menor que seu dedo.
Dylan estendeu os braços e sentiu a brisa bater, como se
fosse capaz de voar.
— Eu espero que este lugar jamais seja descoberto pelo
homem.
— Por que diz isso? — indagou Hal.
— Sei lá, acho que o contato com a empresa do meu pai me
fez reparar um pouco mais nas coisas ao meu redor. Existem alguns santuários nesse
mundo que não deveriam ser descobertos, ou eles deixam de ser sagrados. Aqui é
onde vive uma fauna única, estamos completamente sozinhos, é como se fosse a
primeira vez que me sinto igual à natureza e a todo o resto, e não superior.
Hal meneou a cabeça, pensativo com o discurso.
— Quando eu crescer, prometo que protegerei esse lugar
com todas as minhas forças. Não importa quanto tempo passe, aqui será o nosso
refúgio.
Os dois decidiram fazer uma pausa antes de continuarem a
jornada. Hal acendeu uma fogueira usando duas pedrinhas recolhidas por seu
Rockruff, o Pokémon cão era ótimo em encontrar a pedra ideal para esse tipo de
tarefa. Dylan riu, porque se dependessem dele acabariam tendo de comer comida
crua ou ficar para sempre no escuro quando anoitecesse. Eles colheram berries e se alimentaram enquanto conversavam
e recuperavam as energias. Hal retirou um mapa de sua mochila e mostrou-o para
seu companheiro, tentando traçar a rota que iriam percorrer.
— Eu vou começar a explorar a parte oeste da floresta
com o Dia. Você fica com a outra.
— E se nós nos perdermos? E se não conseguirmos nunca
mais nos encontrar? Absolutamente, não — respondeu Dylan num tom autoritário. —
Sua irmã me escalou para essa aventura para que eu ficasse de olho em você. Vamos
ficar juntos.
— Mas eu trouxe um mapa justamente com essa finalidade.
E podemos nos localizar através de pegadas, não é tão difícil.
— Garoto, entenda que minhas chances de sobrevivência
aqui são quase nulas sem você, estou fazendo isso por nós dois. Eu sou um cara
da cidade e você é o caiçara. É a sua vez de ser minha babá.
— Tudo bem — Hal escondeu uma risada.
Os dois seguiram seu caminho pela floresta até cruzarem
com um riacho e uma ponte de madeira. Aquele era um sinal de que eles estavam
chegando até algum tipo de civilização, ou que pelo menos outras pessoas já
haviam percorrido aquela rota no passado. O caminho foi divertido porque Dylan
tentava identificar uma variedade de criaturas, reconheceu insetos que se
escondiam debaixo da terra como os Grubins e Cutieflys que voavam ao seu redor.
— Acho que elas estão tentando chupar o meu sangue —
falou Dylan.
— Não esquenta, as Cutiefly só se alimentam de néctar —
respondeu o pequeno Hal, que conhecia muito dos Pokémons nativos de Melemele
por sua convivência com eles. — Certa vez eu ouvi que os Cutieflys são
particularmente atraídos por emoções, sejam elas felizes ou tristes. Pelo visto
você tem um gosto adocicado para eles, veja só quantos voam ao seu redor!
Dylan tentava espantá-los no começo, mas logo teve
vontade de levar um deles para casa, pois eram tão fofinhos com seus olhinhos
grandes e perninhas longas.
— Mas e você, maninho... Por que essas criaturinhas não
voam em volta de você?
— Sei lá, acho que eu não sinto nada.
— Isso é meio estranho para alguém da sua idade.
Crianças deveriam estar brincando de bolinha de gude, empinando pipa e jogando
futebol com os amigos.
Hal enfiou as mãos no bolso enquanto andava, imerso em
reflexões.
— Eu tive essa fase, mas acho que as obrigações vieram
mais depressa... Meus amigos ainda saem para brincar na casa uns dos outros,
mas eu... não vou mais. Não tenho tempo para esse tipo de coisa.
— Garoto, você só tem doze anos! Tem que sair mais,
viver mais.
Hal escondeu o fato de que ele não era mais chamado para
nenhuma festa. Ninguém o convidava para dormir em sua casa ou ficar a tarde
inteira se divertindo na rua. Após a morte de seus pais, tudo mudou drasticamente.
As outras crianças viam uma espécie de barreira invisível a sua volta, não
podiam fazer brincadeiras, porque ali estava uma criança que já “sofrera
demais”.
— Parece que todo mundo sente pena de mim... — ele fechou
seu punho com força e Dylan pôde sentir certa demonstração de raiva naquele
gesto.
— Olha... Às vezes as pessoas só querem o melhor pra
você, Hal. Sentir pena é um gesto de compaixão. Significa que eles se importam.
Sei que você adora esse vilarejo, é o lugar aonde você pertence, mas não se
constrói uma vila sozinho, você precisa de trabalho em equipe para erguer cada
tijolo e construir sua morada. Se um dia você vier a lidera-los, vai precisar
do carinho e apoio de cada um deles.
Hal continuou a encarar o chão, sentindo certa culpa por
compartilhar pensamentos tão egoístas. Dylan o alcançou e colocou o braço em
volta de seu ombro de forma que os dois fossem seguindo a trilha na companhia
um do outro.
— Nós podíamos empinar pipa qualquer dia desses. Sou o
mestre das pipas. Eu estava até pensando em convidar você e sua irmã para
passar uns dias na minha casa em Hoenn, acho que seria bacana que vocês conhecessem
o continente, vai que acabam gostando, e...
— Você pretende voltar para a sua terra?
— Bom, sim, quero dizer, não agora. As férias estão
acabando, não posso ficar em Alola para sempre. Ou melhor, eu até posso, mas
antes precisaria acertar alguns negócios, essas coisas de adulto.
— Minha irmã te acompanharia sem pensar duas vezes.
Dylan parou pensativo e depois concordou com a cabeça.
— É. Eu sei.
A Sra. Renée mostrava um álbum de fotografias para
Miliani após o almoço. Mili usava um vestido lindo azulado, ela ficava linda em
qualquer roupa com seus longos cabelos prateados que já começavam a mostrar a
raiz morena, por isso logo precisaria pintar. As criadas lhes serviram chá
enquanto as duas conversavam como amigas de longa data.
— Esta aqui é a minha terceira filha, a mais nova. Eu e
o Max tivemos três filhos que nos deram cinco netos lindos, só uma pena que
eles não venham passar tanto tempo com os avós. São muito ocupados — disse a
velha senhora.
— São todos muito lindos — concordou Miliani. Sempre
adorou olhar álbuns de família, por mais que hoje não suportasse mais olhar os
seus sem chorar. — O Dylan deve sentir-se orgulhoso por ter pais como você.
Mili continuou observando as fotos. Não entendia muito
de genética, mas ligando os pontos percebeu algo incomum. O Sr. e a Sra.
Maximiliano tinham olhos castanhos e cabelos bem pretos quando jovens, assim
como seus outros três filhos, Dylan era um loiro lindo de olhos claros, com
fortes traços dos habitantes de Sinnoh. Mesmo que Dylan fosse o mais novo, ele
não era visto em nenhuma das fotos antigas do álbum. Era como se ele
subitamente aparecesse em uma página aleatória como um menino já crescido e
tomasse conta de todos os capítulos posteriores.
Foi então que as peças do quebra cabeça começaram a se
encaixar.
— Sra. Renée, espero não estar sendo indiscreta, mas...
o Dylan é adotado?
A velha senhora respirou fundo e lentamente concordou
com a cabeça.
— Sim, querida. Nosso Dylan foi adotado. Não dá para
esconder a diferença de idade e aqueles lindos cabelos dourados, não é? Céus,
eu e meu marido temos idade para sermos os avós deles mesmo! Nossos filhos já
estão todos crescidos, eles criaram asas como passarinhos e foram formar seus
próprios ninhos em outras árvores enquanto o nosso tornou-se vazio e sem cor.
Foi então que um incidente colocou Dylan em nossa frente... Ele é o nosso
pequeno tesouro.
Mili mordeu seu lábio inferior e segurou o choro para
não fazer feio.
— Ele nunca mencionou nada parecido... E-eu sequer
imaginava.
Mili sentiu-se culpada. Lembrou-se do dia em que conhecera
Dylan na sorveteria VaniDelluxe e usou a morte de seus pais como forma de se
esconder, sendo que ele também teve experiências trágicas no passado, e mesmo
assim conseguia trazer um sorriso no rosto. Queria abraça-lo e dizer o quanto
aquilo importava, precisava agradecê-lo pelo sorriso terno e o silêncio
discreto. Aquilo os ligava de uma forma que não sabia como explicar. Eram duas
peças quebradiças que se encaixavam com perfeição, ambos compreendiam a dor
mútua. Ambos poderiam ajudar-se a reerguer-se.
Miliani levantou-se e agradeceu a Sra. Renée por
compartilhar um segredo tão íntimo, mas agora precisava de um tempo para
pensar. Trancou-se em seu quarto e foi até a varanda, observado a montanha distante.
— Oh, Dylan... Por que escondeu isso de mim?
A longa jornada atrás da estrela cadente já se estendia
por quatro horas. O sol estava a pico e os cantis de água estavam prestes a
secar, foi obra do destino encontrar uma pequena aldeia no meio na montanha
onde viviam monges que buscavam autoconhecimento, concentração e paz espiritual.
Dylan reconheceu de imediato seu amigo Izrael que já estava há quase uma semana
vivendo entre eeles.
— Caraca, velho, você está quase virando um ancião
sagrado! Olha só para essa barba e esse cabelão. Quando foi que subiu de
classe? — falou Dylan com uma risada, cumprimentando-o num forte abraço.
Izrael vestia uma longa túnica verde enquanto permanecia
sentado com as pernas cruzadas sobre uma cama de palha. Ele fez sinal para os
visitantes e gesticulou com as mãos
— Em minha estadia nestas terras deslocadas, descobri
meu verdadeiro eu interior — ele
falou de forma enigmática, depois se levantou, arrancou a túnica e calçou seus
chinelos, voltando a ser o Iz que todos conheciam. — Peguei vocês! Não consegui
aprender nada aqui, os monges não me deixam escutar reggae enquanto relaxo, mas
deu pra me divertir bastante. Agora chega mais, galera, quero mostrar uma
parada irada!
Izrael guiou-os até o templo construído em homenagem ao
lendário guardião da Ilha Melemele, o Tapu Koko. Hal já ouvira falar de tal
lenda compartilhada pelos anciões da vila. Diziam que em tempos de necessidade,
Tapu Koko protegia seu lar, os Pokémon e as pessoas.
— Será que ele esqueceu da gente então? — indagou o
jovem Hala.
— Não diga bobagens, maninho! E aquela enorme pedra que
despencou da montanha e não acertou a casa de vocês por pouco? Acha que foi
coincidência? É obra de Tapu Koko, você deveria acreditar mais nessas coisas! —
Dylan reclamou.
— Falou o cara que ficou rindo na hora da oração do Ika.
— Eu ri porque a voz dele era engraçada.
— Galera, galera. Relaxem — falou Izrael, segurando os
dois pelo ombro. — Hoje vocês vieram aqui com um propósito: relaxar.
— Não, não, na verdade viemos caçar uma estrela cadente —
continuou Hal.
— Ah, então vocês também estão aqui por causa do Pokémon
que caiu do céu?
Depois de compartilhar o ocorrido da noite passada,
Izrael confirmou a história de que um clarão vindo dos céus caiu em algum lugar
da floresta densa e por lá permaneceu. Iz concordou em ajuda-los na procura, de
fato, estava muito curioso para descobrir o que era e se prontificou em guiá-los
até o local.
O grupo seguiu por cerca de vinte minutos na trilha até
alcançar uma área onde a estrada desaparecia. Caso se distanciassem muito do
vilarejo, corriam o risco de terem que passar a noite ao relento.
Hal tinha a frequente impressão de que estava sendo observado,
mas devia ser coisa da sua cabeça. O Rockruff caminhava com o rabo entre as
pedras bem perto de seu treinador, adorava sair latindo e correndo atrás de
insetos menores, mas as criaturas que ali habitavam eram maiores e mais
ameaçadoras.
Quando finalmente alcançaram o local indicado, avistaram
um enorme buraco na terra. Algumas árvores estavam sem folha alguma por conta
do impacto, a floresta parecia inquieta. No centro da cratera havia uma
misteriosa rocha suja de terra de tamanho modesto, cerca de trinta centímetros.
Dylan foi o primeiro a descer e constatou que haviam estranhos símbolos incrustados
nela. Tinha uma carapaça blindada, o exterior rochoso era formado por placas
separadas em duas grandes rachaduras.
— Isso... é um meteoro que caiu do céu? — perguntou Hal.
— Eu não faço ideia — confirmou Dylan.
— Irado — continuou Izrael.
Eles observavam o estranho meteorito, sem terem noção de
tamanha descoberta que haviam feito.
— Poderíamos levar para meu pai dar uma olhada — Dylan
prontificou-se. — A Corporação Devon é especialista em pedras e materiais
raros, quem dirá o que essa descoberta pode significar para eles!
Os três desceram até o buraco com cuidado e precisaram
unir forças para retirar a pedra dali, ela pesava cerca 40 quilos. Assim que a colocaram
na grama, a carapaça dura rachou-se no meio, liberando dali uma criaturinha
brilhante de cor pastel. Tinha olhos expressivos formados através de uma
energia mística e agora flutuava ao redor dos viajantes, muito interessado.
O Pokémon fez um barulho alto e brilhou com força. Continuou
a rodopiar cada um deles, como se agradecesse os humanos por libertá-lo de sua
prisão. Ele então subiu até o céu e desapareceu misteriosamente.
— Irado — falou Iz. — Se estivesse sozinho, ninguém
acreditaria nessa história.
— Tenho a impressão de que deveríamos tê-lo capturado — constatou
Dylan. — E agora?
— Acho que era um Pokémon mesmo, talvez um que nem tenha
sido registrado ainda — falou Hal, recolhendo os restos da armadura deixada
para trás. — Incrível, fizemos uma descoberta inédita! Vamos levar isso para
seu pai, deve valer alguma coisa.
— Demorou!
Hal e Dylan encaixavam os pedaços que conseguiam em suas
mochilas, mas seria desgastante levar aquele peso todo montanha abaixo. Izrael coçava
sua orelha quando teve a impressão de que ouviu um zumbido forte, mas seus
amigos também notaram que algo muito estranho se aproximava da clareira. Diversos
Pokémons apareceram correndo por suas vidas quando uma centena de Vikavolts selvagens
disparavam faíscas de forma violenta.
— E-eles parecem meio bravos que nós invadimos sua casa—
disse Hal.
— Não tem nada mais clichê do que um ataque de insetos
no mundo Pokémon! — berrou Dylan. — Agora só falta a garota da equipe sair
correndo e gritando!
— Calma, galera, tá tudo sobre controle — falou Izrael,
respirando o ar a plenos pulmões e depois soltando tudo para fora antes de sair
correndo gritando. — NÓS VAMOS MORRER AQUI!
O
grupo disparou para fora da clareira, mas era difícil desviar-se de tantos
obstáculos e criaturas selvagens ao mesmo tempo. O primeiro Vikavolt que atacou
foi direto para cima de Hal, mas Dia pulou em sua frente golpeou a criatura com
uma mordida cabeçada. O cãozinho tentou defender seu dono com uma mordida, mas
o inseto disparou uma onda elétrica que o fez ganir para longe, acuado.
— Dia, cuidado! Você não pode enfrenta-los!
— Por um caso você já
treinou esse cachorro na sua vida?! — gritou Dylan.
— N-nós o ensinamos a dar a patinha e a sentar antes de
dar ração, mas fora isso...
Izrael parecia já ter recuperado sua compostura e agora
repetia para si mesmo:
— Tá tudo sobre controle, galera. Tá tudo sobre
controle.
— Não, Iz, pela primeira vez manter a calma não vai ser
a solução — continuou Dylan.
Izrael ergueu o indicador para os dois e pediu que
fizessem silêncio. Os Vikavolts ainda estavam lá fora, não havia como fugirem
sem serem notados.
Iz retirou uma pokébola do bolso do shorts e jogou-a no
ar. A esfera revelou um enorme dragão muito parecido com seu dono, ele tinha
uma cabeleira branca como as nuvens e seus olhos pareciam estar em outra
dimensão. Era um Drampa que parecia ter sido capturado recentemente, mas já
desenvolvera grande afeição ao seu treinador porque ambos adoravam meditar em
tardes tranquilas.
— Galera, que conheçam o Falkor. Nós formamos uma dupla
irada, né?
— Estou torcendo para que ele não seja lerdão que nem
você — respondeu Dylan.
— Melhor não irritá-lo, parceiro, você não ia querer ver
um Drampa com raiva...
O Drampa soprou um poderoso Dragonbreath contra os Vikavolts, obrigando-os a voltarem para seus
esconderijos sem ter de feri-los, mas toda a floresta agora estava um caos. A
invasão de humanos em seu santuário fez com que os Pokémons selvagens fugissem de
medo e atacassem outras espécies em seu caminho. Hal sentiu-se culpado por
causar tamanho alvoroço em sua busca.
— Nós precisamos fazer alguma coisa, Dylan!
— Nós precisamos é dar o fora daqui! — respondeu o
rapaz.
— Não era para nada disso ter acontecido, desculpe ter
metido vocês nessa!
Foi nesta hora, vendo o desespero do garoto, que Tapu
Koko revelou-se para eles e olhou especialmente para Hal, como se interessado pela
criança. As lendas se provaram verdadeiras quando o guardião totem da Ilha
Melemele percorreu a floresta em sua frente e aquietou cada criatura,
mandando-os de volta para seus lares.
Depois que Tapu Koko percorreu a clareira, ele encarou o
jovem Hala em silêncio, como se aceitando suas desculpas. Hal sentiu que precisava
acompanha-lo, de alguma forma era como se estivessem conectados. Eles subiram
nas costas do Drampa que voou pelo céu, como o dragão da sorte em História Sem
Fim. Eles voaram por toda a região acompanhando Tapu Koko mais a frente, e por
onde ele passava novas plantas surgiam e o solo se tornava saudável de novo. Os
destroços após o fim da tempestade foram varridos, novas árvores brotaram e o
mar limpou completamente as impurezas deixadas pela tempestade.
Melemele parecia ser uma ilha em todo seu esplendor,
mais linda do que nunca. Eles se sentiram os reis do mundo.
— E foi assim que
chegamos aqui —
resumiu Dylan, encerrando sua história.
Miliani estava com a cara de quem não entendera
absolutamente nada ou que se perdera na metade.
— Então vocês se depararam com uma criatura sagrada
cultuada pelo povo da ilha e que existe apenas nas lendas dos mais velhos... Depois
encontraram um pedaço de meteoro... Foram atacados por baratas elétricas
gigantes... E saíram voando num dragão... — Mili respirou fundo. — ...têm
certeza que não fumaram erva nenhuma?
— Absoluta, estão guardadinhas para ocasiões especiais —
disse Izrael, soprando uma cortina de fumaça no ar da sala de visitas com as
pernas esticadas. — Irado, né não? No mosteiro me ensinaram que “Há
muitas coisas que não se aprendem só pensando, é preciso vivê-las.”
— É a primeira vez que ouço algo inteligente vindo de
você.
— Valeu, irmão. Também te amo.
— Eu sabia que ninguém acreditaria na história —
respondeu Hal, mostrando a carcaça retirada do Minior. — Por isso trouxe um
souvenir da nossa aventura!
Hal
mostrou a carcaça e o Barão Maximiliano encantou-se com a surpresa. Aquele material
com certeza não era da terra, os pesquisadores de Hoenn poderiam aprender muito
através dele, quem sabe até desenvolver espaçonaves e equipamentos da NASA ou
coloca-la em um museu para ser contemplada.
— Este é o meu presente para o senhor. Por tudo que
fizeram por nós.
— Seu coração é feito de ouro, meu garoto — disse o Tio Max,
que nunca antes imaginou deparar-se com tamanha descoberta em sua viagem de
férias. Ele fez sinal para que o garoto aguardasse e logo voltou um presente. —
Quero que fique com algo. Encomendei uma Leaf
Stone da Corporação Devon, afinal, trabalhamos com pedras raras. É para que
você evolua o pequeno Barãozinho quando mais precisar. Não é bom para um
Exeggcute ficar sozinho, talvez ele precise de companhia quando achar que está
pronto. Faça bom uso dela.
Ainda naquela noite, Dylan foi até quarto de Miliani
para desejar-lhe boa noite. Hal estava no banheiro tomando banho e a mulher
parecia muito cabisbaixa com alguma coisa. Ele sentou-se ao seu lado, mas
manteve certa distância, não queria invadir seu espaço. Mili falou então:
— Por que não me contou que você era adotado?
Dylan deu de ombros com naturalidade.
— Sei lá. E isso importa?
— É claro que importa. Eu também perdi meus pais, é
difícil seguir em frente com essa dor, mas você consegue agir como se nada
tivesse acontecido.
— Talvez eu já tenha me acostumado.
— Nunca nos acostumamos com esse tipo de coisa. Você foi
tão receptivo e sorridente quando nos conhecemos, me sinto até culpada por
tentar parecer frágil e fazer disso uma desculpa...
— Está louca? Você perdeu seus pais recentemente, eu nem
sequer os conheci! Você tem todo o direito de ficar triste, nossa obrigação é
fazê-la feliz. Se quiser saber, eu só não enlouqueci porque meus pais adotivos são
maravilhosos para mim, porque tenho amigos divertidos e porque conheci... você.
Ele levou a mão até o queixo da moça.
— Você me salvou.
Mili não se aguentou e jogou-se nos braços dele,
roubando-lhe um beijo que vinha segurando há muito tempo. Seus lábios se
tocaram de maneira singela, como se estivessem fazendo algo errado, cometendo
um crime. Com o quarto abafado e o suor no corpo, eles se deitaram ali mesmo.
Naquele instante não existia Kai, não existia mais ninguém.
Hal acabava de sair do banheiro com sua escova de dentes
na boca e uma toalha no pescoço quando viu a cena e recuou lentamente. Os dois
nem notaram. Foi Dylan quem parou primeiro, ele levantou-se e despediu-se acanhado
com um gesto da cabeça, depois foi embora. Hal continuou encolhido contra a
parede, gostava muito de Dylan, gostava ainda mais de sua irmã que era a mulher
mais importante da sua vida.
Mas naquele instante só conseguiu pensar em como Kai se
sentiria.
Ohana Dreams (Capítulo 8)
Uma enorme tenda erguia-se em meio à região onde antes
existia apenas um amontoado de lixo e criaturas selvagens. Miliani não estava
preparada para sair em um encontro, não trouxera nenhuma roupa desde o
incidente em sua casa, mas a Sra. Renée fez questão de emprestar-lhe um vestido
de sua filha que estava guardado há quase uma década — depois de devidamente
lavado, secado e perfumado, caiu-lhe muito bem. Nunca saiu de moda. O último
detalhe foi uma flor delicada na cabeça, mas ainda estava envergonhada por usar
um vestido que custava mais do que todo seu salário de um ano. Dylan andava só
de shorts e camisa florida, poderia passar-se por um dos nativos com
facilidade.
Hal não conseguia conter sua ansiedade, correu o mais
depressa que pôde até a beirada da colina para enxergar um evento inédito em toda
sua grandeza. Diversas luzes iluminavam a rota que do circo que acabara de ser
instalado, o primeiro espetáculo seria inaugurado ainda naquela noite. Uma das
maiores atrações era que treinadores e Pokémons podiam compartilhar espaço nas
arquibancadas, fazendo jus ao seu tamanho monumental. Naquele tempo as pessoas
ainda adoravam circos, era uma das formas de arte mais influentes do mundo, um
programa incomum em meio à rotina pacata de muitos durante a semana.
Hal andava junto de sua Popplio, ela estava tão ansiosa
quanto seu dono. Miliani prendera Rockruff na coleira para que o cãozinho não
saísse espalhando o caos, por isso Dia teve que se comportar. Por um instante
eles pareciam uma família grande e feliz.
— Vocês podem ir procurando os assentos? Vou comprar
algumas pipocas e batata frita — falou Dylan, entregando-lhes os ingressos.
Miliani estava ali, perdida no meio de tantos turistas e
pessoas de diferentes regiões. Estava acostumada à atenção que recebia na
Cabana do Luar onde trabalhava, mas a repercussão do circo era cinco vezes maior.
O público era refinado, o povo mais simplório de Alola nunca poderia pagar uma
entrada. O trabalho dos artistas ali era reconhecido, a mera possibilidade de
viajar mundo afora junto de tantas pessoas habilidosas a fez sibilar um
sorriso. Um enorme letreiro neon brilhava com letras garrafais: Sunset Circus.
— Está pensando em como seria trabalhar em um lugar
desses? — perguntou Hal para sua irmã. Ele a conhecia muito bem.
Mas o sorriso dela aos poucos foi desaparecendo.
— Eu não poderia. Tenho que cuidar desse pestinha — Mili
respondeu, afagando sua cabeça.
— Fala sério, você está deixando de seguir os seus
sonhos por minha causa? Não faça isso, sério, eu vou ficar muito triste.
— Não estou deixando nada de lado, querido. Essa vida de
fama só não é para mim, não acho que eu poderia me tornar uma líder de ginásio
famosa, ou quem sabe até uma artista, tem gente que não nasceu para isso. Eu só
queria... — ela desviou o olhar. — Uma vida tranquila.
— Você se acomodou desde que aquele dia... — o dia da morte de seus pais.
— O que eu posso fazer? — Mili soltou um longo suspiro,
tentando enxergar as estrelas no céu sem muito sucesso por conta da claridade. —
Alguns acontecimentos nos fazem crescer rápido demais.
O pequeno Rockruff não parava de latir, havia tantos
Pokémons e cheiros diferentes. Os dois ainda aguardavam na entrada quando um
estranho homem com o rosto pintado de branco e vestes monocromáticas apareceu
na companhia de seu Mr. Mime. Ele parecia ser um mímico, porque não falou
nenhuma palavra e apenas gesticulou para eles. Hal riu ao perceber que o mímico
se aproximou de sua irmã e começou a fazer sinais faciais e gestos, indicando
que ela era muito bonito. Seu Rockruff, que agora latia com ainda mais força, parecia
não querer companhia. O mímico olhou para seu Mr. Mime que fez um gesto
pensativo, depois retirou algo invisível de uma bolsa imaginária, fazendo
movimentos estranhos em volta do cachorro. Neste mesmo instante, Dia parou de
latir e se comportou, como se um manto invisível o cobrisse. A pequena plateia
que estava na entrada aplaudiu a demonstração e o mímico agradeceu todos com um
gesto cortês.
— Como é que ele fez isso? — indagou Hal, maravilhado.
— É mágica! — falou outra menina na fila.
Senhorita Chefe, a Popplio de Hal, caminhou em direção
do mímico e seu Mr. Mime e apoiou-se nas nadadeiras de trás, como se pedisse um
último truque antes do espetáculo de verdade. O mímico silencioso fez sinal
pensativo e teve uma ideia, fazendo o clássico sinal de que havia uma barreira
invisível entre eles. O Mr. Mime entendeu o recado e começou a fazer o mesmo.
No momento que Popplio tentou atravessar para o lado
deles, ela acabou realmente batendo em uma barreira transparente, fazendo com
que todos caíssem na risada.
Dylan logo voltou com as pipocas e aperitivos, seus amigos
queriam que ele tivesse as honras de entregar os ingressos e ser o primeiro a
entrar.
— Estava uma fila enorme, não precisavam...
Quando finalmente adentraram o interior do circo, Hal
surpreendeu-se com seu tamanho. Havia pilares enormes sustentando sua
estrutura, a lona nem de perto parecia tão grande vista de fora, pela forma
como as bases se erguiam eles fariam uso de cada centímetro de seu interior,
desde piruetas no ar junto de Pokémons voadores até saltos mortais em uma
piscina minúscula. Dylan finalmente encontrou seus assentos no corredor D, eram
os números 17, 18 e 19. Tiveram de esperar cerca de meia hora para que o
espetáculo finalmente começasse, todas as cadeiras estavam cheias e não havia
espaço disponível. Um homem gorducho e de cartola fez a entrada triunfal
surgindo de um caixote trazido por dois Machokes, ele desejou as boas vindas ao
seu respeitável público e fez as devidas apresentações.
A atração inicial ia desde malabaristas até dançarinas,
uma Tsareena foi a celebridade da festa com todo seu glamour e carisma.
— Ela é linda demais! A Pokémon perfeita! — ouviu-se
alguém gritar da plateia.
O mímico também voltou para a cena. Ele apresentou seu
Mr. Mime com novos truques, levitando objetos em demonstrações surreais de seus
poderes psíquicos. Na hora de fazer o público dar risada ele trouxe um Mimikyuu
pequenino que entrou em cena. O mímico, envolto em mistérios, insinuou que iria
desvendar o mistério sobre o que realmente existia debaixo do manto dos
Mimikyuu. Ninguém jamais ousou retirá-lo, temendo uma maldição que não pode ser
varrida por rezas ou amuletos.
A tensão era grande. Quando o manto foi retirado, toda a
plateia praticamente gritou ao mesmo tempo ao descobrirem que era na verdade...
— UM BIDOOF! — todos caíram na risada, afinal, não se
pode gostar de Bidoofs.
Aquele pobre Pokémon fora trazido da distante região de
Sinnoh, obviamente não se tratava de nenhum Mimikyuu verdadeiro. Ele parecia
bem triste e não recebia as risadas de forma positiva. Hal ficou um pouco
chateado pela maneira como o público ria e se divertia com aquela criatura tão patética,
como piada. Ao menos, contanto que o Pokémon estivesse em boas mãos com o circo,
era melhor do que cair no time de algum treinador que o transformasse em um HM Slave, um escravo de movimentos.
Hal não percebeu que a um dado momento do show, sua Popplio
desaparecera. Ele se levantou assustado e procurou por todos os lados nas
arquibancadas até perceber que a Senhorita Chefe estava andando para o meio da
pista onde os palhaços acabavam de entrar e iniciavam a próxima apresentação. Hal
ergueu-se num salto, mas não tinha como impedi-la. Os palhaços viram o Pokémon
curioso andando na direção deles e decidiram improvisar.
— O que temos aqui, Wilson?
— Acho que temos um Pokémon perdido, Wally.
Os dois apoiaram-se em seus joelhos e chegaram bem perto
da pequena Popplio, esfregando seus narizes rosados um no outro.
— Você gosta de panquecas, amiguinho? Hein? Hein? —
falou Wally.
— Seu idiota, não percebe que ela é uma fêmea? —
reclamou Wilson.
— E como você sabe que ela é uma fêmea, seu cabeção?
— Da mesma forma que eu sei que você é um macho!
Todos riram na plateia e os palhaços ergueram a Popplio
no alto para participar da peça. Era um improviso que acabou sendo muito bem
vindo, a ideia de receber Pokémons dos visitantes interessou e muito o
organizador do Sunset Circus que
adorou o resultado. A Senhorita Chefe brincou em enormes bolas infláveis, fez
graça e divertiu o público como se fosse parte do teatro. Ao final do show, os
palhaços Wilson e Wally a ergueram no alto, e juntos, agradeceram o público num
cumprimento cordial. A Popplio amou ser aplaudida junto dos demais artistas.
— A quem pertence essa adorável criatura? — perguntou um
dos palhaços bem alto.
Mili cutucou seu irmão, pedindo para que ele levantasse.
— Estão chamando você!
— Vai lá, é a sua chance de aparecer! — Dylan também o
incentivou.
— M-mas na frente de todo mundo?!
Dia escondeu-se atrás da cadeira do garoto e deu um
latido tão alto que o assustou, fazendo-o levantar-se depressa. Os holofotes
miraram nele e Hal foi obrigado a descer até o palco. O dono do circo o recebeu
de braços abertos.
— Qual seu nome, garoto?
— É Hala Kameahookohoia.
— Saúde — falou um dos palhaços.
— Seu Pokémon é um artista nato! Uma salva de palmas
para Hala e seu Popplio!
Hal estava extremamente envergonhado com a recepção
calorosa de pessoas que nunca antes vira, mas sua Popplio simplesmente se
deleitava. Ela nascera para aquilo, o som dos aplausos era seu combustível. Na
primeira vez em que se perdera de seu bando nas águas frias de Alola foi porque
ouviu o barulho de seres humanos nas proximidades, sendo imediatamente atraída
para a costa. Acabou por encontrar-se com Hal que levava uma vida simples no
campo, mas o primeiro contato com os holofotes da cidade a fez querer viver ali
para sempre.
Os palhaços fingiram lágrimas quando tiveram de se
despedir da Senhorita Chefe, a Popplio acenou com sua nadadeira e encheu o
coração dos espectadores com compaixão.
Sua irmã e Dylan o aguardavam em seus respectivos
assentos quando o espetáculo terminou. Ainda estava bem cheio, preferiam esperar
a multidão sair apressada para somente depois se levantarem. Enquanto isso,
teriam muito a rir e comentar sobre o ocorrido.
— Cara, você ficou vermelhão lá na frente! Ardendo feito
um Slugma! — falou Dylan animado.
— E ainda dizem que sou eu que levo dom para o lado
artístico — brincou Miliani.
— Não inventem coisa. Eu só fui buscar essa pestinha que
em um dia já me fez passar mais vergonha do que em toda minha vida — falou Hal
olhando para sua companheira.
Enquanto aguardavam, um sujeito de camisa listrada apareceu
pulando as cadeiras até conseguir aproximar-se deles. Quando finalmente os
alcançou, ajeitou o cabelo e falou com alívio:
— Ufa, sorte que ainda estão aqui! Pensei que já
tivessem ido embora.
— Quem é você? — perguntou Dylan, desconfiado.
— Ah, desculpem, fico meio irreconhecível com a
maquiagem. Eu sou o mímico da peça, meu nome é Michael.
— Você... fala? — perguntou Mili, decepcionada. O rapaz
riu da inocência da garota.
— Claro, e para ser bem sincero, meus amigos dizem que
falo até demais. Pois bem, vocês são os donos dessa adorável Popplio, não é?
Meu chefe adoraria conversar um pouco mais, especialmente com o garoto. Estão
interessados?
Michael levou-os até os bastidores do circo onde muitas
pessoas já arrumavam os acessórios usados na festa, preparando-se para o
espetáculo de amanhã.
— Senhor Mímico, posso perguntar uma coisa? — indagou
Mili. — Que tipo de magia você fez para que meu Rockruff parasse de latir?
Michael sorriu com a curiosidade da moça.
— Não existe magia entre nós, humanos, mas nossos
Pokémon são capazes de milagres. Aprendi a me comunicar com meu Mr. Mime
através de gestos e pedi que ele utilizasse o movimento Role Play em seu Rockruff. Dessa forma, suas habilidades foram
trocadas, o Soundproof de meu Mr.
Mime foi transmitido ao seu cãozinho que imediatamente notou uma diferença
drástica no barulho emitido por seu latido e isso o fez parar por algum tempo.
Mas o efeito passa, logo ele estará latindo loucamente mais uma vez!
— E a parede invisível?
— Barrier.
Esse era meio óbvio, não? Se os Pokémons psíquicos conseguem entortar colheres
com o poder da mente e levitar objetos, digamos que nosso show de mágica
realmente é feito de pura magia!
Ao chegarem nos bastidores, o homem gorducho que parecia
ser o mestre de cerimônias conversava com dois sujeitos sérios, um deles fumava
um cigarro. Hal os reconheceu como sendo Wilson e Wally, os palhaços.
— Chefe, eu os encontrei — disse o mímico.
— Maravilha! Onde está? Onde está a nossa estrela?
A Popplio aproximou-se do homem que a pegou no colo.
— Coincidentemente, o nome dela também é Chefe — falou
Hal.
— Oh, então temos aqui um dom nato para a liderança!
Imagine só colocar essa mocinha na liderança, ela pode fazer piruetas em cima
de nosso Zebstrika, saltar na piscina do Shellder, aumentar a repercussão dos
palhaços!
— Nós vamos ter que ficar carregando essa coisa por toda
parte? — perguntou Wilson, um dos palhaços que estava com o cigarro entre os
dentes. Agora não parecia tão engraçado
ou alegre. Preferiu não ficar e ouvir a resposta, ele guardou o isqueiro e
ajeitou a blusa antes de sair. — Vamos embora. Ainda temos alguns lugares para
ir hoje à noite.
— Falou — respondeu Wally, o outro palhaço.
Apesar da estranha recepção, Hal e Miliani continuavam
muito empolgados com o que viram na apresentação.
— O espetáculo do senhor é brilhante, é a primeira vez
que vou a um circo e tive a melhor das experiências! — disse Mili.
— Oh, agradecido. Batalhei muito para chegar onde estou
hoje. Gostariam de uma algo para beber? Vocês têm horário para voltar ou estão
muito ocupados? Eu adoraria conversar melhor.
Os pais de Dylan não ligavam de eles voltarem tão tarde,
contanto que não excedesse a meia noite. A Tsareena da apresentação de abertura
logo veio trazendo uma bandeja com aperitivos e algumas xícaras. O homem de
cartola serviu seus convidados com chá, biscoitos e queijo, perguntou se
Miliani e Dylan eram os pais ou talvez os responsáveis por Hal, pois ele tinha
muito interesse em fazer-lhe uma proposta.
— Garoto, você gostaria de deixar sua Popplio sob nossa
proteção pelo período de uma semana? Gostaríamos de ver se ela se adapta aos
nossos métodos, vamos treiná-la e oferecer alimento adequado, acredito que
tenhamos aqui uma futura estrela, nunca vi tamanha habilidade!
— E-eu... não sei — murmurou Hal.
Ele sentia certa pressão, afinal, só tinha doze anos.
Não fazia nem dois meses que conhecera Popplio, mas via nela uma grande amiga.
Queria tê-la ao seu lado por mais tempo, tinha medo deles não a tratarem tão
bem ou de que acabasse sentindo sua falta.
Vendo que havia a possibilidade de sua proposta ser
recusada, o chefe do circo analisou bem as vestes e o porte da criança. Hal era
simples. O homem serviu-lhe um pouco mais de chá e então falou:
— Bem, se interessar, podemos discutir a possibilidade
de pagar uma boa quantia por cada apresentação de sua Popplio... Eu pago adiantado
só pelos testes, dinheiro vivo, agora mesmo.
Ele retirou um bolinho de notas verdes enroladas e
colocou-o sobre a mesa. Hal nunca pegara em tantas notas ao mesmo tempo, até
mesmo Mili sabia que aquela quantia ajudaria muito com as contas, cerca de 150
dólares. Era um dinheiro seu, somente seu.
— O que me diz? — o homem do circo voltou a
pressioná-lo.
Os pensamentos de Hal estavam muito conturbados, ele
sentiu alguém tocar em seu ombro, mas para sua surpresa não era sua irmã.
— Cara, se for para topar, não é pelo dinheiro — falou
Dylan. — É o sonho dela. Você sabe que sua Popplio tem dons artísticos, pode
experimentar esse período de testes e, se não gostar, nós a levamos de volta.
Hal bem para sua companheira Popplio. Ele seria a voz
dela.
— É só uma semana, não é?
O chefe concordou com a cabeça e lhe esticou a mão.
— Nem um dia a mais.
Hal finalmente aceitou a proposta, entregando a
Senhorita Chefe nas mãos de seu novo mestre. Não havia pokébolas para que uma
troca formal fosse feita, não houve nem contrato algum. O diálogo e sua palavra
lhes eram suficientes.
— Oh, preciso começar imediatamente a criação de banners e flyers: “Popplio é a nova sensação do Sunset Circus!” Seu nome estará estampado no mundo inteiro!
Hal olhou para sua irmã e a primeira coisa que fez foi
entregar-lhe o dinheiro. A moça fez que não com a cabeça, ele mesmo deveria
guardar e decidir em como usaria aquela quantia. Ao menos seu coração era
confortado pelo fato de que a Popplio desejava isso mais do que tudo. Ela daria
o seu melhor, precisava pelo menos tentar.
Quando Hal finalmente deixou os bastidores, ainda sentia
certo aperto no coração.
— Passa rápido, parceiro — disse Dylan colocando o braço
no ombro do mais jovem. — Quando você menos perceber, ela estará com vocês
novamente!
Não se falou mais nada o caminho inteiro da volta para
casa. Hal e as irmã estavam tão maravilhados com o circo que por alguns
instantes esqueceram-se completamente de suas preocupações, era justamente o
que Dylan tinha em mente, eles precisavam esfriar a cabeça e divertir-se um
pouco.
Quando retornaram à mansão, a primeira coisa que Dia fez
foi começar a correr atrás do Meowth da família. Barulho e diversão tornou-se
comum na morada do Barão Maximiliano que vinha tendo momentos agradáveis com
suas visitas.
Dylan seguiu para seu quarto para tomar um bom banho,
enquanto isso Mili finalmente deitou-se em sua cama de braços abertos e
arrancou os sapatos que já machucavam seus dedos. Seu irmão deitou-se perto das
pernas da moça e foi subitamente atacado por seu Exeggcute. Os dois riram e
ficaram olhando para o teto adornado com desenhos de Pokémons Lendários, como
se fosse o de uma catedral. As cortinas esvoaçavam ao toque do vento morno e o
mormaço da praia.
— Hoje foi incrível — disse Miliani.
— Quando é que vamos voltar? — seu irmão perguntou sem
olhá-lo diretamente nos olhos.
— Não sei, Hal... A Kai deve estar preocupada,
precisamos começar a juntar dinheiro para reformar nossa casa. É meio injusto deixar
que o Dylan resolva tudo, e a vila inteira foi devastada, a Kai têm ajudado os
moradores locais com trabalho voluntário enquanto nós só ficamos aqui
aproveitando...
— Eu quis dizer voltar ao circo...
— Ah — ela sorriu e virou-se para ele. — Agora você tem
uma artista sob seus cuidados, terá de ficar de olho nela. Espero que eles
possam treinar sua Popplio com dedicação, ela se tornará uma verdadeira
celebridade!
— Vai sim — sibilou Hal, imaginando-a acima dos
pedestais. — O mundo inteiro vai conhecê-la...
Na manhã seguinte, a primeira decisão de Hal de onde
gastar seu dinheiro foi com sorvetes para todos no VaniDelluxe. Porém, para sua
surpresa, o local estava fechado desde a tempestade, a vila ainda não
conseguira se recuperar e muitos moradores não tinham sequer onde morar. Era
uma paisagem triste que assolava a antes tão bela e animada Melemele Island.
— Bem, espero que ainda estejam servindo o almoço em
casa — Dylan tentou animá-los.
Aproveitando a passagem pelo centro, Hal quis fazer uma
visita ao Esconderijo para saber se Ika e Uko estavam bem. Praticamente não
reconheceu a estrada que costumava frequentar — estava completamente destruída.
Havia apenas caixotes quebrados, pedaços de madeira e lixo revirado, como se a
cabana tivesse sido abandonado há muito tempo e o mar tivesse tratado de levar
o que sobrou dela. Pela primeira vez desde o incidente, sentiu-se culpado por
não procurar seus amigos antes.
— Será que eles estão... — Mili murmurou e Hal cerrou seu
punho.
— Não! Eles estão em algum lugar na ilha! Vamos procurá-los!
Os três passaram a tarde toda percorrendo as ruas e
trilhas da ilha. Não era difícil reconhecer dois sujeitos de pele escura, um gigantesco
e outro magricela, ninguém os conhecia ou se importava com eles. Dylan falou
que voltaria para a mansão para pedir ao mordomo Sebastian que chamasse seus
seguranças para que já ajudassem na busca.
Hal só fez uma parada por volta das cinco da tarde, ele
e sua irmã alcançaram a ponte que ligava ao porto, se Ika e Uko não estivessem
ali só poderiam ter pego um barco para outra ilha.
— Eu preciso descansar — falou Miliani, apoiando-se em
seus joelhos. — Vou voltar para a mansão e me encontrar com o Dylan.
— Não, não podemos descansar, Mili! Eles podem estar em
perigo.
Hal estava para recomeçar sua busca do começo quando
notou que uma pequena maçã mordida foi atirada de debaixo da ponte. Se conhecia
bem, os Leftovers eram marca registrada de um certo alguém. Ele desceu o
barranco até o riacho e deparou-se com Ika e Uko escondidos nas sombras, com
suas vestes costumeiras, só um pouco mais sujos.
— Ika! Uko! — Hal falou alegremente. — Vocês estavam
aqui o tempo todo?
— Fala, guri! Nosso Esconderijo antigo foi destruído, então
nós decidimos dar entrada em nosso mais novo local de trabalho... Conheça o
Santuário!
Estava completamente vazio, a não ser por alguns lençóis
e pedaços de papelão.
— Os tempos têm sido difíceis — disse Miliani, pensando
que ela também poderia estar morando na rua se não fosse pela ajuda de Dylan.
Hal tinha uma ideia em mente, só não sabia se estaria
sendo ousado demais.
O Sr. e a Sra. Maximiliano tinham a impressão de que sua
mansão começava a se tornar uma espécie de albergue. Dois sujeitos estranhos
agora entravam descalços nos salões chiques da nobreza e sujavam o assoalho, o
mordomo Sebastian não tirou os olhos deles e as próprias empregadas sentiram-se
um pouco desconfortáveis a princípio, mas logo o Barão esticou os braços em
sinal de compaixão.
— Bem, se são amigos de nosso Dylan, então são nossos
também! — disse Tio Max.
— Aproveitem e jantem conosco, devem estar famintos —
continuou a Sra. Renée.
Dylan achava a cena muito engraçada por nunca se
lembrava do nome daqueles dois sujeitos, vivia chamando Ika de Uko e vice
versa. Só tivera a chance de conhece-los um pouco melhor no aquário, mas fora o
suficiente para divertir-se e querer repetir a experiência. Seus pais já
estavam tão acostumados de vê-lo chegar em casa com estranhos que já não se
importavam.
Enquanto se dirigiam até a sala de jantar, Uko viu um
vaso muito bonito feito de cerâmica, retirado de escavações no fundo do oceano
em Unova. Ele viu o objeto brilhante e tocou com desejo, mas seu irmão Ika
deu-lhe um tapa forte na mão.
— Quê isso, rapaz? Tá ficando doido? Papai do céu tá
olhando!
— É que ele é tão... bonito — resmungou Uko, massageando
sua mão enorme.
Pela primeira vez em muito tempo, a mesa do banquete
estava cheia. Antes de começarem a refeição, Ika pediu que eles dessem as mãos
e fizessem uma rápida oração, agradecendo a hospitalidade e o carinho com que
eram tratados. Uko pegou o enorme pedaço de pernil e colocou-o inteiro em seu
prato, comendo como se não o fizesse havia pelo menos uma semana. A família do
Barão só não tinha se preparado para tantos convidados, por isso apressaram-se
em pedir que o cozinheiro preparasse mais comida.
— Aguentem só um instante, vou pedir ao meu chefe que
faça novos pratos. Os senhores têm alguma sugestão?
— Sei que eles adoram pizza — falou Miliani com uma
risada.
A Sra. Renée riu com a ideia.
— Céus, há quantas décadas não somos servidos com um bom
pedaço de pizza?
— Isso me lembra dos tempos em que meu pai ainda
cozinhava para nós — disse Tio Max com uma risada, sendo levado por memórias de
quase cinco décadas atrás.
— Vamos lá, meu velho, peça dez sabores diferentes! —
completou Dylan com empolgação.
Todos comeram até não aguentarem mais. As pizzas saíam
da cozinha a todo minuto, Ika e Uko começaram a comer com as próprias mãos e os
demais fizeram o mesmo até se lambuzarem por inteiro com as pizzas de
brigadeiro e banana com doce de leite. O Sr. e Sra. Maximiliano compartilharam
histórias e se divertiram com seus convidados, o simples vislumbre de mudança
trouxe mais cor e emoção na vida de dois velhinhos sem grandes expectativas.
— Acho que vou explodir — falou Uko, debruçando-se sobre
a mesa.
— Maluco, nunca comi tanto! — Ika falou como forma de
agradecimento a todos ali presentes.
Ika e Uko foram alojados em um segundo quarto de
hóspedes, pelo menos ali ficariam seguros e teriam conforto até que encontrassem
trabalho ou ao menos um lugar para morar. Quando se dirigia ao seu quarto, Mili
não sabia como agradecer Dylan pela calorosa recepção de seus pais.
— Mil perdões por todo o trabalho que estamos dando a
você e sua família...
— Tá brincando? — o loiro riu e olhou para os lados,
mostrando seus velhos pais que ainda riam e conversavam próximos à lareira, provando
aperitivos e degustando uma boa taça de vinho. — Já passa da meia noite e
aqueles dois estão acordados, há alguns dias atrás eles não tinham sequer
assunto para conversar. Vocês têm noção o que fizeram?
— Foi... algo ruim?
— Não, pô. Meus pais comendo pizza com as mãos na sala
de jantar! Eu nunca tinha visto isso na minha vida! É sério, se tem alguém aqui
que precisa agradecer, este aqui sou eu.
Miliani ficou encabulada, sentia-se constrangida com a
ideia de atrapalhá-los o tempo todo. Pelo menos assim se sentiria mais à
vontade. Mili deu um beijo suave na bochecha de Dylan e desejou-lhe boa noite
antes de voltar para o quarto. O surfista andava pelo corredor como se enfrentasse
uma onda feroz, mal conseguiu manter-se pé, por mais singelo que fosse o beijo
mexera com ele. Já era um avanço.
Mili estava para ir deitar-se quando notou que seu irmão
não estava na cama. Hal puxara uma cadeira de praia e agora contemplava o céu
noturno na varanda com Dia em seu colo. Sua irmã acariciou seu cabelo e pediu
que não demorasse, afinal, os dois tiveram um dia cheio e agitado.
O menino continuou ali por cerca de meia hora, nenhuma
nuvem cobria o céu e ele tinha muito o que pensar sobre sua vida e o que o
aguardava dali para frente depois que as férias acabassem. Dia já adormecera em
seu colo, ele estava para levar seu cachorrinho para dentro quando avistou um estranho
brilho que percorreu o céu.
Pensou tratar-se de uma estrela cadente, era a primeira
vez que via uma. Não sabia se deveria fazer um desejo ou uma oração como Ika
sempre fazia. Ele entrelaçou suas mãos e se certificou de que sua irmã já
estava dormindo, ficaria meio desconfortável caso alguém estivesse ouvindo. Não
queria pedir nada, só agradecer, mas tentou mesmo assim.
— Oi, estrela. Obrigado pela viagem ao circo hoje, foi
muito divertido. Obrigado pela companhia tão divertido e por cuidar de meus amigos
quando eles precisaram. Obrigado por nos proteger. Eu gostaria que esses dias
nunca mais acabassem, e... É. Acho que eu sou uma criança muito feliz.
Hal terminou de agradecer e abriu os olhos, mas percebeu
que a estrela continuava no céu cada vez mais próxima, como se viajando pelas
galáxias. Ela então emanou um brilho mais forte e caiu da estratosfera diretamente
no meio da mata, no topo da montanha ao lado da mansão, causando um estrondo e
um clarão forte como se fosse um trovão.